CRÓNICAS DE MOGADOURO PARA UMA ROTA
DO MARRANOS EM TRÁS-OS-MONTES Por: António Pimenta de Castro
Freixo de
Espada à Cinta
Como sabemos, Trás-os-Montes foi sempre um território (como muitos
outros no nosso país), com muitos judeus e, após o decreto de expulsão,
publicado em 1496, em que deixaram de existir oficialmente judeus em Portugal,
o culto manteve-se, sobretudo nas zonas mais afastadas, e/ou perto das
fronteiras, como é o caso de Argozelo, Carção, Freixo de Espada à Cinta,
Vilarinho dos Galegos, Lagoaça, Bragança, entre muitas outras na nossa região
(eu só me estou a centrar na nossa zona). Começa assim a época do
criptojudaísmo (ou judaísmo encoberto), ou seja, praticavam o culto judaico às
escondidas. Quem não se convertesse “oficialmente”, ao catolicismo teria de
sair do país, indo assim criar riqueza por esse mundo além. Assim foi,
principalmente em Amesterdão, mas também em outras terras que acolheram os
nossos homens de negócio ou intelectuais (como Espinosa), levando assim,
riqueza e “massa cinzenta” a esses territórios e a decadência ao nosso triste
país.
Quem ficou, oficialmente eram os chamados cristãos-novos, praticando no recato do seu lar, ou no de correligionários, o culto hebraico, em muito segredo. Tudo o que chamasse a atenção aos esbirros da inquisição, invejosos ou ignorantes, foi destruído ou escondido. As rezas começaram a ser feitas por mulheres, a que chamamos rezadeiras, pois as orações eram, na sua maioria feitas e transmitidas por mulheres, pois os homens andavam no comércio (almocreves, peleiros, etc.). Por isso nalgumas orações aparecem “personagens” e palavras que não são genuinamente judaicas… (influência e convivência com cristãos, e não nos podemos esquecer do analfabetismo). Depreciativamente começaram a chamar-lhes “marranos”. Como escreveu o meu amigo João Guerra: “A degradação das comunidades judaicas portuguesas acontece progressivamente, sobretudo a partir de 1536, quando é estabelecida a Inquisição.
Agora, a sobrevivência das comunidades judaicas, enquanto
tal, impunha a preservação da sua religião e identidade, enfrentando e
adaptando-se às novas circunstância de perseguição e terror. Assim, os judeus
(marranos) portugueses, vivem o judaísmo possível, observado religiosamente na
medida que lhes é possível, com um inequívoco sentido de identidade. Este
processo passou por uma atitude de comunidade. Foram inventadas formas subtis e
engenhosas de preservar e praticar a religião e tradições judaicas, ocultando
essas práticas ao mundo alheio, transmitindo-se entre famílias de geração em
geração até aos nossos dias.[1]”
Após séculos
de discriminação, perseguição e tortura, em 1821, a Inquisição foi legalmente
extinta, não querendo isso significar que o preconceito anti-judaico, deixasse
de existir mesmo em Trás-os-Montes, onde as comunidades “marranas” eram
numerosas. O Liberalismo, e mais tarde a República, trouxeram algum alívio ao
sufoco psicológico, ao preconceito, à ignorância, mas…mesmo assim, os
criptojudeus continuaram no seu secretismo, como se a maldita Inquisição ainda
existisse, a mentalidade não muda tão depressa como gostaríamos…Só no século XX
se deu uma certa libertação mental e um crescimento da população judaica em
Portugal, não só pela vinda de estrangeiros (não nos podemos esquecer de Aristides
de Sousa Mendes, entre outros…), à medida que o nazismo e o fascismo se iam
instalando, mas, sobretudo, e é isso o que mais nos interessa, pela OBRA DO
RESGATE, fundada por um judeu português, o capitão Barros Basto (Bem-Rosh).
Esta obra destinava-se a restituir ao judaísmo português a grandeza de outros
tempos, ajudando a: “resgatar as suas comunidades do cativeiro físico de
dispersão e isolamento do mundo judaico e sobretudo do cativeiro espiritual
para onde séculos de perseguições e clandestinidade os haviam atirado (…) A
comunidade israelita do Porto foi fundada em 1923 pelo capitão Barros Basto.
Também fruto do movimento judaico da “Obra do Resgate”, foram constituídas
formalmente nos anos 20 e 30 as comunidades judaicas de Bragança (que
chegou a ter uma Sinagoga), Covilhã e Pinhel, as mais importantes, Macedo de
Cavaleiros, Castelo Branco e outras, e ainda numerosas juntas judaicas (como,
por exemplo, as de Vilarinho dos Galegos e Lagoaça, de quem foi professor o meu
saudoso amigo Moisés Abrantes formado na yechiva, leia-se escola, da Sinagoga
do Porto) em aldeias e vilas do Nordeste, Douro e Beiras. (…) O infame
processo contra o capitão Barros Basto e a perseguição do “Estado Novo” ao
movimento da “Obra do Regate”, levou a que nos anos 40 as Sinagogas de judeus
marranos fechassem as suas portas, uma a uma, e as comunidades se desagregassem
como instituições organizadas.[2]”.
Atualmente, no Norte a Sinagoga do Porto tem uma “nova vida” e muito
recentemente, abriu um Museu Judaico. Nessa mesma Sinagoga, vai ser reaberta
uma sala dedicada ao transmontano Amílcar Paulo, a quem se deve muitas obras
sobre os marranos transmontanos.
Não nos podemos esquecer das obras do Abade de Baçal (Vol. V das suas
Memórias), do transmontano Amílcar Paulo (cujas origens são de Fornos, Freixo
de Espada à Cinta), e ainda do António Júlio Andrade, entre outros, de Torre de
Moncorvo (desculpa de Felgueiras, concelho de Moncorvo…), entre outros, sobre o
estudo dos “marranos”, em Trás-os-Montes.
Depois desta longa introdução, nós, no Nordeste Transmontano, devemos explorar
esta autêntica “mina” para o desenvolvimento do Turismo Cultural (e não só…), a
gastronomia, as rotas de judeus, os centros de interpretação e outros
“instrumentos”, para divulgar esta grande nossa riqueza. É ótimo o Museu
“marrano” de Carção (que deve ser melhorado…), os futuros “Centros de Interpretação”
a construir em Bragança e Torre de Moncorvo, mas não chega. Temos de arranjar
“engenho e arte”, para desenvolver e consolidar esta verdadeira riqueza do
Nordeste (e não só…, integrar noutros roteiros das Beiras, do Minho, etc.,
juntos teremos mais força) Mão à obra! Como disse o Poeta: “Deus quer, o Homem
sonha, a Obra nasce”…
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